sexta-feira, 16 de novembro de 2007

A menininha



O tempo é como sopro do vento que apaga os desenhos feitos na areia de nossa memória, mas os vincos mais profundos parecem marcas eternas. O barulho daquelas lágrimas que, nascidas de uma dor inexplicável, esmurravam a pedra e soavam como trovões o incomodavam, mas ele fingia não percebê-las. Ele era forte, ou pelo menos tentava convencer-se disso.
Não conseguia dormir. Estava sentado sobre a pedra, mas não sentia o frio congelante que queimava sua pele. Catatônico, observava a parede como se pudesse enxergar através dela. Fora despertado pelo som da goteira que, como um relógio invisível, denunciava melancólicamente a existência de um tempo que não tinha importância alguma - nunca teve. O rosto sujo, o gosto amargo e o sangue na boca, a juntas dos braços e pernas doloridas, os arranhões e hematomas, tudo parecia querer lembrá-lo da noite que passou, mas ele não conseguia, ou não queria conseguir. Seus olhos fixavam um ponto que só ele podia ver. Ele não estava mais alí.
As vezes o cansaço fazia com que suas pálpebras pesassem e era neste momento que aquelas imagens esparsas e confusas o atormentavam: o carro preto, o homem e a menininha – aquela pequena e frágil criatura que invadia insistentemente seus sonhos e era tão real e tão próxima que tinha que ter algum significado – ele ainda iria descobrir qual. A imagem do relógio se dissipava, enquanto sua história era contada pelos irritantes pingos de água que o devolviam a realidade. A face assombrada da menina o vigiava através da parede de pedra à sua frente. Queria chorar, mas não se permitia, embora tivesse o rosto banhado de lágrimas sua expressão era alheia e indiferente.
Aqueles vincos na areia, que outrora nada diziam, agora insinuavam tanta coisa. Ele não pedira para lembrar, mas cada vida que se desfazia em suas mãos, cada vez que o fogo tornava-se gelo e o grito silenciava-se lá estava ela, como uma assombração, julgando seus atos e o reprendendo. Rezava, silenciosamente, para que o vento fosse mais forte desta vez. Ele era forte, ou pelo menos tentava convencer-se disso.

2 comentários:

Anônimo disse...

bóóó.. afu!

diz uma coisa: tu e o luís tão fazendo competição é? pq se for isso.. continuem! tá massa!

abrax

Unknown disse...

Acho melhor não comentar nada dessa vez, vai que queiram me caçar, tal e qual faziam com as bruxas, se bem que...essa minha brancura ariana pura deve me dar algum benefício. Não vou nem perguntar se posso pedir ou falar, na última quase fui pra fogueira, mas tô afim de ver a exclusão lingüística como tema, ainda que eu não tenha voz para rebater qualquer bobagem que o Luis possa escrever ou qualqur insulto ditador do Alexanbre. Talves aquela "mina dos pelos vermeio" seja a única que me entenda...